Textos para Política

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. SP: Moderna, 1997.

PRESSUPOSTOS POLÍTICOS DA EDUCAÇÃO

A criança educa-se, cultiva-se, humaniza-se, socializa-se (todas essas expressões podem ser consideradas como equivalentes), integrando-se num mundo social adulto já organizado segundo certas estruturas econômicas, sociais e políticas. (Bernard Charlot)

PARTE I


Tendência liberal

1. Introdução
O caminho percorrido até aqui foi suficiente para concluirmos que a escola não é uma ilha separada do contexto histórico em que se insere. Ao contrário, ela está comprometida de forma irreversível com o ambiente social, econômico e político.
Vimos, no texto “As relações de poder”, que não existe educação neutra, porque a instituição escolar se compromete no jogo de forças de poder que caracteriza a política de cada época. Ninguém se mantém apolítico, já que essa postura significa, em última análise, aceitar os valores vigentes, ou seja, assumir a posição política conservadora. Daí a importância de se ter clareza a respeito das tendências políticas de toda prática, inclusive a educativa.
Para encerrar esta Unidade, que trata das relações entre educação e filosofia, depois de ter analisado os pressupostos antropológicos, axiológicos e epistemológicos, passaremos agora a considerar os pressupostos políticos subjacentes à práxis educativa.
Em função de vivermos numa sociedade capitalista, começaremos abordando a tendência liberal para, em seguida, examinarmos a crítica feita à estrutura burguesa pelas diversas tendências socialistas.
Escola liberal não significa, como geralmente se pensa, uma escola “aberta”, “avançada”, mas refere-se à educação proposta pelo liberalismo, teoria política e econômica do capitalismo burguês. Na verdade, deveríamos falar em liberalismos, tantas foram as modificações que se fizeram necessárias ao longo desses séculos, a fim de enfrentar as dificuldades encontradas.
A burguesia surge ainda durante a Idade Média, a partir dos segmentos dos comerciantes e artesãos, constituindo um elemento de desestruturação da antiga ordem feudal ao desenvolver paulatinamente o modo de produção capitalista.
O capitalismo se caracteriza pela abolição da servidão, preferindo a mão-de-obra assalariada que, a partir do século XVII, se aglomera nas fábricas das cidades e faz deslocar o eixo da economia do campo para a cidade. Defende a economia de mercado, segundo a qual existe um equilíbrio natural decorrente da lei da oferta e da procura, o que reduziria a necessidade de intervenção do Estado. Essa teoria do Estado mínimo resulta do esforço empreendido pela burguesia para se livrar do controle exercido pelos reis absolutistas na gestão dos negócios.
Outras características da economia de mercado são a defesa da propriedade privada dos meios de produção e a garantia de funcionamento da economia a partir do princípio do lucro e da livre iniciativa. A estimulação do comércio e da indústria justifica o interesse pelo desenvolvimento científico e tecnológico, tão bem representado pela Revolução Industrial do século XVIII.
A exigência de não-intervenção do Estado se estende também ao poder da Igreja, muito forte durante a Idade Média. Em contraposição, o liberalismo burguês defende a existência do Estado laico, não identificado com religião alguma, da mesma forma que valoriza o ideal de tolerância, pelo qual não deve interferir nas crenças pessoais.
As mudanças econômicas preparam o caminho para que a burguesia se torne a classe hegemônica. Isso ocorre quando, a partir das chamadas revoluções burguesas a Revolução Gloriosa (Inglaterra, 1688) e a Revolução Francesa (1789) –, ela assume o poder político.
Os principais teóricos do liberalismo econômico foram Adam Smith e David Ricardo, no século XVII. No período que vai do século XVII ao XIX, o liberalismo político teve como representantes Locke, Montesquieu, Kant, Humboldt, Stuart Mill e Tocqueville.

2. Um novo homem
Um novo modo de pensar surge das mudanças levadas a efeito pelo liberalismo nos campos econômico, político e social.
Esses novos princípios ficam claros na filosofia do inglês John Locke (1632-1704), que, à semelhança de outros filósofos de seu tempo, desenvolve uma teoria contratualista para explicar a origem do poder de forma racional e laica (não religiosa). O poder não mais se justificará pela intervenção divina – como no caso do direito divino dos reis, típico do absolutismo passando a ser legitimado pelo contrato social: é o próprio homem que dá o consentimento para a instauração do poder, reafirmando assim o valor do indivíduo e do cidadão.
Locke parte da análise dos “direitos naturais do indivíduo” (a vida, a liberdade e a propriedade), para cuja garantia estabelece um pacto que dá origem ao Estado. Portanto, o governo existe a fim de garantir a defesa dos direitos individuais naturais e dar segurança para que cada um desenvolva seus talentos e gerencie seus negócios.




3. A concepção de mundo subjacente à teoria liberal valoriza :

•o individualismo – a sociedade civil é formada pela aglutinação de indivíduos inicialmente separados no “estado de natureza”; quando se reúnem, o fazem para garantir a consecução de seus interesses individuais.
•Ainda mais – o sucesso ou não de cada um depende de seu talento e resulta da competição entre os membros da sociedade;
• a liberdade vista como liberdade individual – “a liberdade de cada um vai até onde começa a liberdade do outro” é uma afirmação típica da concepção liberal individualizada. Em outras palavras, espera-se que o sucesso de cada indivíduo seja garantia para o crescimento da sociedade como um todo;
•a propriedade – no sentido amplo de que todo indivíduo é proprietário de sua vida, de seu corpo, de seu trabalho e, no sentido estrito, de seus bens e patrimônio. Encontra-se no liberalismo uma característica que Macpherson chama de “individualismo possessivo: a essência humana é ser livre da dependência das vontades alheias, e a liberdade existe como exercício de posse”;
•a igualdade, entendida como igualdade civil – não se admite a servidão, como na Idade Média, nem se suportam os privilégios da nobreza, que tanto irritavam os burgueses; todos seriam iguais perante a lei e a todos seria oferecida igualdade de oportunidades;
• a segurança – baseada em uma nova concepção de justiça, centrada na valorização da lei, em detrimento do arbítrio. Essa segurança era fundamental para a garantia da proteção e da conservação da pessoa, dos direitos e das propriedades.
No entanto, à medida que a ideologia burguesa se fortalece, esses princípios passam a se configurar como valores formais e não de fato. Não se estendem à sociedade como um todo, mas determinam a divisão em classes, separando aqueles que têm a posse dos meios de produção (os capitalistas) daqueles que só possuem a força de trabalho (os proletários).
Embora aspirasse pela democracia, o liberalismo desde o início se apresenta elitista, porque a igualdade defendida é de natureza abstrata, geral e puramente formal, não excluindo a convicção de que as pessoas são diferentes nos talentos, o que justificaria o sucesso desigual entre os membros da sociedade. Dessa forma, embora todos fossem livres e proprietários e igualmente pertencentes à sociedade civil, apenas os proprietários de fortuna teriam capacidade (conhecimento e racionalidade) para decidir os destinos da comunidade, ou seja, o liberalismo político, no seu inicio, defende o voto censitário, o que demonstra que só os ricos são considerados plenamente cidadãos. A importância dada à propriedade gera um eixo determinante pelo qual a política é condicionada pela economia. Conseqüentemente, o Estado se coloca a serviço da classe hegemônica, protegendo-a por meio de uma legislação específica, que salvaguarda os interesses dos proprietários em uma sociedade mercantil.

4. A educação liberal
De maneira geral podemos dizer que a educação liberal reflete os ideais do homem burguês, anteriormente analisados, enfatizando o individualismo e o espírito de liberdade. A valorização do homem e da sua capacidade de autonomia e de conhecimento racional foram expressos nos ideais iluministas, reveladores de um otimismo em relação à possibilidade da razão humana de transformar o mundo.
Aqui nos interessa realçar que, em face da existência de um antagonismo de interesses no seio da sociedade liberal, também a educação se torna um bem reservado à elite. Mesmo no final do século XIX, quando o proletariado, amparado pelos movimentos socialistas, começa a exercer maior pressão e a conquistar benefícios, tais como o sufrágio universal e a expansão da rede escolar, a escolarização permanece como um privilégio de classe.
A escola não-democrática tem persistido na sociedade liberal devido a inúmeros fatores, mas convém não esquecer que uma das funções principais da escola liberal costuma ser a legitimação da ordem econômica e social.
Dessa forma, quando no século XIX o liberalismo clássico, fundado na livre concorrência, entra em crise, surge o neocapitalismo, baseado no capitalismo monopolista, que supõe a retomada do Estado intervencionista. Acentuam-se as exigências, entre outras, de benefícios sociais tais como a escola nacional leiga e gratuita, oferecida pelo Estado.
No entanto, a ampliação da rede escolar não significou a equalização de oportunidades. Porque, à medida que o desenvolvimento do comércio e da indústria exige maior escolarização, as crianças proletárias freqüentam escolas que em tudo diferem daquelas reservadas às classes dominantes. Na escola dualista, os jovens de acordo com a origem social são encaminhados para a formação global, para a estrita profissionalização técnica ou, ainda, para a simples iniciação no ler, escrever e contar.
É bem verdade que uma vertente do pensamento liberal – representada desde o século XVII por Comênio, passando por Diderot e Condorcet, no século XVIII, e culminando, no século XX, com Dewey – preocupou-se com a questão da reconstrução social, com os fins sociais da educação, na tentativa de superar a tendência individualista da educação burguesa e orientar-se numa linha de maior democratização. Esses objetivos darão corpo aos ideais da escola nova, uma tendência modernizadora da educação liberal que se coloca em oposição a certos vícios da escola tradicional. No entanto, como veremos nos próximos capítulos, a função equalizadora da escola se mostrou ilusória, na medida em que não atingiu os fins de maior mobilidade social.

Dropes
1
Uma educação perfeita é para mim simbolizada por uma árvore plantada perto de águas fertilizantes. Uma pequena semente que contém o germe da árvore, sua forma e suas propriedades é colocada no solo. A árvore inteira é uma cadeia ininterrupta de partes orgânicas, cujo plano existia na semente e na raiz. O homem é como a árvore. Na criança recém-nascida estão ocultas as faculdades que lhe hão de desdobrar-se durante a vida: os órgãos do seu ser gradualmente se formam, em uníssono, e constroem a humanidade à imagem de Deus. (Pestalozzi)
2
A educação, mais do que qualquer outro instrumento de origem humana, é a grande igualadora das condições entre os homens – o eixo de equilíbrio da maquinaria social (...). Dá a cada homem a independência e os meios de resistir ao egoísmo dos outros homens. Faz mais do que desarmar os pobres de sua hostilidade para com os ricos: impede-os de ser pobres. (Horace Mann)

Leitura complementar

[A luta dentro da escola]
As escolas constituem um campo de conflito porque têm o duplo papel de preparar trabalhadores e cidadãos. O preparo que a cidadania exige numa sociedade democrática, baseada em igualdade de oportunidades e em direitos humanos, é muitas vezes incompatível com o preparo que requer o desempenho em serviço num sistema empresarial de trabalho. Por um lado, as escolas devem preparar os cidadãos para conhecer seus direitos legais, bem como sua obrigação de exercer esses direitos por meio da participação política. Por outro lado, as escolas devem preparar os trabalhadores com as qualificações e as características de personalidade que lhes possibilitem atuar num regime de trabalho autoritário. Isso exige a negação daqueles mesmos direitos políticos que favorecem os bons cidadãos.
O fato de se atribuir ao sistema educacional essas duas responsabilidades cria, dentro dele, as sementes do conflito e da contradição. A luta subseqüente, entre os defensores dos dois diferentes princípios, pelos respectivos objetivos e ações, contribui para dar forma à escola que, necessariamente, atenderá de maneira imperfeita às exigências de seus dois senhores.
No correr do tempo, as tensões entre essas duas dinâmicas têm-se situado dentro do contexto do conflito social mais amplo. As escolas fazem parte de um Estado ao mesmo tempo democrático e capitalista, e essa dicotomia, por si só, dá origem a uma importante luta. Como as escolas se situam dentro do Estado, elas refletem essa luta. Contudo, isso não significa que as influências das duas forças opostas estejam sempre em equilíbrio. Ao contrário, em cada período histórico há uma tendência a que uma dessas dinâmicas tenha primazia sobre a outra. Isso pode estimular uma nova etapa da luta, em que a dinâmica em oposição adquire a primazia, num ciclo permanente e periódico.
As escolas são instituições conservadoras. Na ausência de pressões externas pela mudança, elas tendem a preservar as relações sociais existentes. Mas as pressões externas em favor da mudança sempre interferem nas escolas, até mesmo sob a forma de preferências populares. Nos períodos históricos em que os movimentos sociais são fracos e a ideologia empresarial é forte, as escolas tendem a fortalecer sua função de reproduzir trabalhadores para as relações do local de trabalho capitalista e para a divisão desigual do trabalho. Quando aparecem movimentos sociais para contestar essas relações, as escolas se deslocam em outro sentido, para igualar as oportunidades e ampliar os direitos humanos.
(...) Sem dúvida nenhuma, a mensagem mais importante deste nosso estudo é a de que as lutas democráticas são importantes para a consecução dos tipos de escola e de economia que atendam às necessidades mais amplas de nossa sociedade e cidadania: (...) é a tomada de posição pelos movimentos sociais e pelas forças democráticas que estabelece limites à opressão e aumenta os custos da batalha para o outro lado. (Martin Carnoy e Henry M. Levin, Escola e trabalho no Estado capitalista, p. 281-282 e 301.)

Atividades
Questões

1. Por que não podemos dizer que a educação é ‘neutra’ politicamente?
2. Quais são as principais características do liberalismo econômico? E do liberalismo político?
3. Sob que aspectos o individualismo pode representar bem uma característica da pedagogia liberal?
4. Por que, embora se dizendo democrático, o liberalismo é de fato elitista?

Análise de texto
Baseando-se no texto complementar, responda às questões de 5 e 6.
5. Por que, para os autores, a incumbência de formar trabalhadores e cidadãos revela uma contradição intrínseca?
6. Em que sentido podemos dizer que no sistema capitalista predomina o regime de trabalho autoritário? Dê exemplos de características de personalidade necessárias para se atuar nesse regime.

PARTE II

Tendência socialista

1. As idéias socialistas
O liberalismo se configurou desde sua origem como a teoria política e econômica da burguesia, em oposição aos privilégios da nobreza. No entanto, os benefícios conquistados pelas revoluções burguesas não foram distribuídos com igualdade na sociedade, que se manteve dividida entre proprietários e não-proprietários.
No século XIX, o proletariado se encontra relegado a uma situação de penúria e exploração. São conhecidas as exigências de que crianças, homens e mulheres trabalhem em condições precárias de higiene, numa jornada de 14 a 16 horas, recebendo ínfima remuneração.
Para fazer frente ao poder da burguesia, o proletariado precisaria tomar consciência dessa situação, buscando a expressão de sua própria ideologia. A produção teórica dos socialistas Utópicos Proudhon, Fourier, Saint-Sirnon e Owen e o socialismo científico de Marx e Engels foram importantes no sentido de conscientizar o proletariado, promovendo sua aglutinação em movimentos efetivos de contestação.
Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), quando concebem sua utopia, aspiram por uma classe operária revolucionária que seria capaz de destruir o Estado burguês e de criar uma sociedade pós-mercantil (que rejeita o capital e o mercado) a partir da supressão da propriedade privada dos meios de produção.
Criticam a ideologia burguesa por ser individualista e idealista. Em oposição às teses liberais do contrato social, não concebem o homem “em estado de natureza”, considerando que o ser do homem é construído nas relações de trabalho e, como tal, ele é antes de tudo um ser social.
Isso significa que, num primeiro momento, a subjetividade resulta das forças sociais que agem sobre o indivíduo, de modo que seus desejos, aspirações, valores e idéias são determinados por aquelas forças. Segundo o marxismo, não é possível existir um Robinson Crusoé desenvolvendo-se, solitariamente, à margem da sociedade.
Compreende-se assim a crítica feita por Marx ao idealismo burguês: não são as idéias que movem o mundo, mas as idéias (formas de pensar, valores) é que são determinadas pelas condições materiais da existência humana.
Segundo o materialismo marxista, então, as relações do homem com a natureza no esforço de produzir a própria existência e as relações dos homens entre si (proprietários e não-proprietários) explicam formas de pensar como a moral, o direito, a filosofia, a ciência, a educação, e assim por diante.
Dessa forma, a educação (e outras expressões da superestrutura), se encontra, também sob o ponto de vista do materialismo marxista, na dependência das forças econômicas vigentes na sociedade. Por isso seria ilusório pensar que podemos mudar as estruturas sociais por meio da educação. O homem novo só seria possível após a revolução social e política, ou seja, pela implantação de uma sociedade nova, na qual não houvesse divisão de classes.
Ao mesmo tempo, Marx diz que se por um lado é preciso mudar as condições sociais para se criar um novo sistema de ensino, por outro falta uma educação nova, que proporcione mudanças nas condições sociais vigentes. A educação deve, então, acompanhar o processo revolucionário, preparando por meio da conscientização aqueles que querem destruir a velha sociedade e instaurar a nova.
Dessa forma, o marxismo confere às discussões sobre a educação um caráter político e social até então inexistente.

2. Socialismo e educação
Ao recusar o individualismo burguês, o socialismo rejeita também a concepção de liberdade, igualmente individualista, substituindo o espírito de competição pelos ideais de solidariedade e cooperação.
Na busca de uma igualdade efetiva, o socialismo critica a sociedade dividida em classes e preconiza a escola unitária, na qual todos tenham o mesmo tipo de escolarização e não haja a separação entre trabalho intelectual e trabalho manual.
Logo após a Revolução Russa de 1917, o ministro da Educação Lunatcharski, juntamente com Krupskaia (companheira de Lênin) e, mais tarde, Makarenko e Pistrak, luta pela universalização da escola elementar, gratuita e obrigatona, ao mesmo tempo que introduz profundas alterações nas concepções pedagógicas ao aplicar os princípios da escola do trabalho.
Segundo essa orientação, o trabalho é importante como expressão de um valor moral fundamental. Daí a necessidade de superação da dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho manual, típica da escola tradicional burguesa, a fim de assegurar a todos a compreensão integral do processo produtivo.
A nova pedagogia valoriza também a ligação entre escola e vida, necessária para se formar o novo cidadão que a sociedade revolucionária precisava. Por isso dá destaque ao trabalho coletivo, fazendo com que as formas individualistas e competitivas evoluam em direção à cooperação, ao apoio mútuo e à auto-organização dos estudantes.
Pistrak enfatiza a necessidade de um trabalho real, não simbólico. Daí a importância da oficina profissional nas escolas: as crianças menores trabalham com tecido, papel e papelão, e as maiores trabalham com metais ou madeira. Pistrak observa que no manuseio das ferramentas, por exemplo, o aluno compreende melhor a mecânica, o que evidencia a não separação entre trabalho intelectual e trabalho manual.
Pistrak defende que a partir do 2o grau ocorra a participação da escola no trabalho de fábrica, não na execução de tarefas mecânicas, mas como condição de “porta aberta para o mundo”. Assim, o estudo da força motriz ou da fonte de energia nos leva à questão geral da transformação da energia, às questões de geografia econômica e política do país e do mundo, “incluindo-se a luta imperialista pela divisão do mundo na base da distribuição da energia”.
Makarenko (1888-1939) escreveu o livro Poema pedagógico, no qual relata suas experiências em um instituto de reabilitação de adolescentes marginais. Para instaurar a prioridade do coletivo,Makarenko usa de uma autoridade que em várias circunstâncias resvala em autoritarismo,recorrendo inclusive a castigos físicos.
Makarenko argumenta que o choque entre as individualidades gera conflitos nos quais impera a lei do mais forte, o que pode prejudicar a instauração da comunidade de interesses. Isso justificaria o caráter provisório da violência usada, porque, nesse caso, a autoridade do professor não seria arbitrária, na medida em que visa reeducar para a vida em uma coletividade cujos valores principais são o trabalho, a disciplina e o sentimento do dever.
Antonio Gramsci (1891-1937) foi um dos mais importantes teóricos marxistas italianos. No cárcere, onde foi mantido durante onze anos pela ditadura fascista de Mussolini, escreve inúmeros livros em que, entre diversos assuntos, critica o dogmatismo do marxismo oficial.
Uma contribuição original foi o conceito de hegemonia. Etimologicamente, essa palavra significa dirigir, guiar, conduzir. Segundo Gramsci, uma classe é hegemônica não só quando exerce a dominação por meio do poder coercitivo, mas também quando o faz pelo consenso, pela persuasão. Daí a importância dos intelectuais na elaboração de um sistema convincente de idéias, por meio das quais se conquista a adesão até da classe dominada.
A escola burguesa, classista, além de preparar seus intelectuais, se infiltra nas classes populares, a fim de cooptar os melhores elementos que, uma vez assimilados, aderem aos valores burgueses. A classe dominada, por sua vez, não organizando sua própria visão de mundo, permanece desestruturada e passiva, incapaz de tornar eficazes as eventuais rebeliões.
Dessa forma, bem antes dos teóricos críticoreprodutivistas – que não vêem saída para a educação diante do impacto da ideologia dominante – Gramsci já tinha esperanças de que a sociedade civil (com suas inúmeras instituições, inclusive a escola) pudesse se tornar o lugar possível da livre circulação das ideologias.
Para Gramsci, os elementos populares deveriam continuar organicamente ligados à sua classe, de modo a elaborar, coerente e criticamente, a experiência proletária. Só assim a classe dominada teria intelectuais orgânicos capazes de compreender as contradições que permeiam a sociedade dividida em classes.
A partir dos grupos de pressão formados na sociedade civil, como o partido da classe trabalhadora e os sindicatos, por exemplo, a consciência de classe, geradora de uma contraideologia, poderia ser desenvolvida.

3. Depois do muro de Berlim
A educação considerada prioridade máxima dos governos revolucionários e implantada com rigor, logo frutificou nos países socialistas. Os níveis de analfabetismo baixaram drasticamente, atingindo índices próximos do zero.
Algumas das demais metas apresentaram dificuldades, como, por exemplo, a implantação da politecnia: em um mundo no qual ocorrem rápidas transformações científicas e tecnológicas, é sempre problemático atrelar a escola ao funcionamento das atividades no campo, na fábrica e nos serviços.
Além disso, a ênfase dada ao coletivo, no afã de superar o individualismo e o egoísmo burguês, muitas vezes resultou na incapacidade de permitir o pensamento divergente, a dissidência, provocando a expressão de formas de intolerância e doutrinação.
Em 1985, quando Gorbatchev deu início à perestroika (reestruturação da economia), buscando quebrar a rigidez do planejamento estatal por meio da introdução de elementos de regulação de mercado, e à glasnost (abertura política), visando a renovação dos quadros, formados pela velha e autoritária elite burocrática dirigente, acelerou a implosão do mundo socialista.
Se, por um lado, as pessoas estavam asfixiadas pelo poder e muitos eram os críticos que denunciavam os excessos e exigiam a liberdade de pensamento havia muito tempo, por outro lado a rápida deterioração do chamado “socialismo real” culminou com o esfacelamento das republicas socialistas, que, retornando à economia de mercado, perderam os benefícios sociais que desfrutavam,incluindo aí a educação.
Esses acontecimentos não devem, todavia, nos enganar. Os desacertos do “socialismo real” não avalizam o capitalismo como defensor da democracia e da liberdade. O pensador italiano Bobbio ponderava bem antes da queda do muro de Berlim que, se o socialismo criou o Estado de não liberdade, o capitalismo, em contrapartida, o Estado da não-justiça.
Em outras palavras, o malogro do “socialismo real” não garante o sucesso do liberalismo, que continua gerando os excluídos da riqueza: os países subdesenvolvidos e a grande massa de pobres e miseráveis analfabetos.

Dropes

1
As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. (Karl Marx)

2
O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social. O princípio unitário, por isso, refletir-se-á em todos os organismos de cultura, transformando-os e emprestando-lhes um novo conteúdo. (Gramsci)

3
Uma sociedade justa não é uma sociedade que adotou leis justas, mas uma sociedade onde a questão da justiça permanece constantemente aberta. (Cornelius Castoriadis)

Atividades

Questões
1. O que o socialismo contrapõe ao individualismo burguês?
2. Por que para o socialismo marxista a educação por si só não tem um caráter revolucionário?
3. Explique o que significa a escola unitária preconizada pelos socialistas.
4. Segundo Gramsci, como a escola poderia auxiliar no desenvolvimento de uma contra-ideologia?