segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A receita da felicidade

Há coisas sem as quais não sobrevivemos nem sequer por algum tempo: como o ar, a água e a alimentação, outras nos matam aos poucos: como a falta de afeto e reconhecimento, mas também é verdade que somos atingidos e nos debilitamos pela ausência de coisas cuja impressão de sua necessidade não resistiria a alguns instantes de ponderação, estranhamente é a falta do desnecessário que causa a maioria de nossas angústias, nos impondo um sentimento quase perene de vazio e descontentamento.

Vivemos a era das ilusões, atrelamos o nosso sentimento de realização ao alcance de metas que quase nunca tem a ver com o que realmente é significativo para a nossa existência. É comum esquecermos de olhar para nós mesmos, seduzidos pelo mundo ao nosso redor, passamos então a nos conhecer cada vez menos, o que nos leva a ser incapazes de ter consciência permanente das coisas que realmente fazem diferença em nossa vida.

O filósofo Epicurio na Grécia antiga constata que para alcançarmos a realização e a felicidade é preciso que sejamos independentes, que busquemos estar entre as pessoas que nos amam e as quais amamos, que façamos constantemente análises de nossa vida e que nos alimentemos bem, eu acrescentaria às constatações epicuristas a necessidade de exercícios físicos regulares.

Nosso ritmo de vida marcado pela complexidade das relações efetivadas nos cenários do nosso cotidiano nos afasta da natureza simples da felicidade, que quase sempre já está contida nas coisas que possuímos, metas que conquistamos e depende muito mais da descoberta da importância do que já temos do que da aquisição de outras coisas ou do atingimento de novas metas.

Dedicamos grande parte de nosso tempo à busca de objetivos que pouco ou nada contribuem para que sejamos verdadeiramente felizes, muitos inclusive nem acreditam na felicidade e com isso perseguem os momentos de satisfação passageiros proporcionados pela aquisição de algo ou por elogios vazios e desmerecidos.

Só possuímos verdadeiramente as coisas que amamos, o resto se insere fora de nossos territórios, mesmo quando fazem parte de nossas aquisições não participarão do nosso mundo interior o qual em uma análise mais profunda fornece as razões determinantes da forma como reagiremos ao mundo que nos cerca.

É preciso conhecer o que se passa dentro de nós, costumo repetir uma afirmação, penso que tirada de um velho ditado indígena que nos sugere que o homem é uma casa de muitos cômodos e que quando deixamos de visitar um deles, esse se torna esquecido e empoeirado e a porta que leva até lá vai ficando emperrada e difícil de abrir.

Devemos dedicar um tempo maior às atividades que nos aproximem das pessoas, procurar entendê-las é a chave para entendermos a nós mesmos, o que amplia as nossas possibilidades de acolher e sermos acolhidos. A intolerância e o desrespeito não ferem somente aos que são vítimas diretas das atitudes que as geram, pois quando colocadas em prática negam as semelhanças que nos aproximam, acentuando as diferenças que têm como conseqüência final a exclusão dos sujeitos, exclusão essa que não possui uma única direção, pois ao excluirmos uma pessoa do nosso convívio também nos excluímos do convívio dela o que nos leva ao isolamento e a infelicidade decorrente dele.

É crescente o número de pessoas que decidem viver só, evitando relacionamentos duradouros em nome da manutenção de uma pseodoindependência que não os liberta, ao contrário, os acorrenta à uma ditadura que impõe um modo de vida que privilegia condutas contrárias a natureza humana de socialização e necessidade de pertencer ao universo do outro.

Enfim nos distanciamos da felicidade não pela distância existente entre ela e nós mas, por desconhecer os caminhos que nos aproximam dela.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Coisas que duram demais, ou coisas duras demais
Há pessoas extremamente cuidadosas com as coisas que possuem e por isso elas duram quase uma eternidade, no meu caso é diferente, não tenho muito cuidado com quase nada, no entanto há coisas na minha vida que insistem em durar indefinidamente, é o caso dessa jaqueta de couro que comprei há quase vinte anos, já me cansei de usá-la e ela insiste em não se estragar.
Quando a situação é com coisas como uma jaqueta, tudo fica mais fácil, pois posso decidir não usá-la mais e tudo está resolvido, o problema é quanto se trata de sentimentos, pois é, também enfrento esse problema da durabilidade acima da média com alguns sentimentos.
Já tive raiva de algumas pessoas, tive não, ainda tenho, a exemplo do cara que derrubou a minha caixa de picolés quando eu tinha sete anos, ainda hoje desejo que ele tivesse morrido atropelado quando atravessou a rua correndo e levando o dinheiro dos picolés que eu tinha vendido durante toda manhã, isso após ter derrubado os picolés que tinham sobrado e quebrado a caixa onde eles estavam, se não fosse o meu avô ter me dado o dinheiro para pagar o dono da sorveteria, acho que estaria chorando até agora.
Mas a raiva é um sentimento menor, e se a gente não ficar soprando as brasas que a mantêm acesa dentro de nós, dá até para esquecer por longos períodos que ela continua morando na gente. O problema é quando o sentimento é maior que nós mesmos e parece que ele não está dentro de nós, e sim nós dentro dele, isso é tão evidente que a gente para escapar dele viaja, foge de estar nos lugares onde esse sentimento pode estar escondido, espreitando para nos emboscar e mais vez nos aprisionar, só que não dá para fugir a vida inteira e fica sempre o medo de voltar.
Não há receita para lidar com isso, penso que isso nos põe a prova e mostra do que somos feitos, já vivi situações assim, mas aprendi que passar por isso uma vez não te prepara para enfrentar a próxima vez que isso vai lhe acontecer, poderia dizer que o pior a fazer é fugir, mas confesso que em muitas ocasiões não consegui encontrar alternativa, ou fugia ou enlouquecia ou, ainda, fazia a escolha errada.
As escolhas são outra coisa extremamente complicada, algumas delas te acompanham a vida inteira, e se foram erradas esse erro te atormentará até o dia da sua morte, que muitas vezes é antecipada tão grande é a culpa que você carrega.
Não quero errar nas escolhas, não quero morrer antes da hora, minha razão grita isso repetidas vezes, mas parece que o meu coração é surdo e não sabe linguagens de sinais, porque além de falar, minha razão ainda gesticula: ando de um lado para o outro, passo longos instantes de cabeça baixa, faço o carro ir mais rápido, as pessoas parecem me olhar diferente, mas nada disso faz esse idiota, que não sabe outra coisa senão bater sem parar, se tocar, e o pior é que tem momentos em que ele bate tão doído que parece que vai explodir.
Se eu pudesse, esse infame órgão ia cantar em outra freguesia, mas como já disse não quero morrer antes da hora.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O papel do brinquedo na formação dos mecanismos de defesa psicológica da criança

A menina e a bonequinha feia

Era uma vez uma menina comum, e como todas as meninas comuns era também uma princesa. Morava em um castelo construído dentro de seus sonhos.

Na verdade a menina desta história morava em uma favela próxima a um lixão, seus pais viviam do que encontravam no lixo, mas a despeito de tudo eram amorosos e dedicados com os filhos.

Certo dia, no aniversário de três anos da menina, a mãe chegou em casa com um embrulho bonito, coberto com papel de presente que ela havia encontrado numa lixeira no centro da cidade, a menina ficou eufórica pois sabia que dentro do embrulho estaria o primeiro presente de aniversário da sua vida, mal podia se conter, mas teve o cuidado suficiente para não estragar o papel, que para ela era tão bonito que já valeria a pena ganhar só ele.

Dentro do pacote algo com que a menina sempre sonhara, uma boneca, linda como que se saída de um conto de fadas.

_Mamãe eu posso chamar ela de Balu? Perguntou a menina.

_Claro meu amor. A boneca é sua, pode dar a ela o nome que quiser.

_Eu posso ir mostrar a Balu às minhas primas?

_Claro meu amor, só não vai aborrecer o seu tio, acho que ele tomou umas hoje e não está lá muito bem.

_Tá bom mamãe.

E lá foi a menina com a sua Balu; não teve de andar muito, pois a primas moravam no barraco ao lado, antes de entrar a menina escutou o tio esbravejando e gritando palavrões que uma criança não deveria escutar, mas que para ela já eram comuns, tão comuns que nem ligou , foi entrando como se nada estivesse acontecendo, ainda da porta chamou as primas que vieram correndo ver o presente da menina.

_Olha a minha Balu como é linda, foi a minha mão que me deu. Disse a menina com um sorriso de um canto a outro do rosto.

_Nossa! Que boneca feia! Disse a prima mais velha com uma cara de nojo.

_Eu gostei. Disse a menorzinha que tinha a mesma idade da menina.

A menina, então encarou a prima mais velha e com um jeito de brava gritou:

_Ela não é feia não, e se você a fizer chorar você vai ver só.

Olhou, então para Balu e com a mão no rosto dela disse, com uma voz bem carinhosa:

_Baluzinha, não chore você não é feia não, eu te acho linda e serei a sua melhor amiga nesse mundo.

Não foram poucas as vezes que a menina teve de consolar a boneca, para onde ia, levava à amiga e sempre havia alguém para dizer o quanto Balu era feia, mas, a cada dia que passava a menina gostava mais da sua Baluzinha.

A menina foi crescendo e chegou o dia de ir para a escola, acordou sedo e foi logo se vestindo, apanhou os cadernos, colocou Balu numa sacola e já ia saindo quando a mãe lhe pediu que deixasse a boneca em casa, pois a escola não era lugar de brinquedo.

A menina tentou ainda argumentar com a mãe, mas acabou aceitando e deixando a amiga em casa.

Mal chegou a escola e os colegas começaram a implicar com ela, era menor que os demais e a farda que herdara da irmã mais velha estava manchada e com aparência de velha.

Logo se tornou alvo dos apelidos e da mangação dos colegas que a chamavam de feia e favelada, ela então se lembrou do que dizia sempre para Balu e quando alguém mexia com ela, essas lembranças a confortavam, ajudando ela a superar a hostilidade de todos os dias. (....)